“Russiagate”: como tudo começou?
No dia em que o Tribunal Administrativo de Lisboa aplicou uma multa de 1 milhão de euros à Câmara de Lisboa por partilha de dados de ativistas russos, é relevante recordar como tudo começou e afinal o que é o "Russiagate".
A multa resultou de um processo aberto na sequência de uma participação - que deu entrada na Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) em 19 de março de 2021 - relativa à comunicação pela autarquia de Lisboa, quando era presidida por Fernando Medina (PS), à embaixada da Rússia em Portugal e ao Ministério dos Negócios Estrangeiros russo de dados pessoais dos promotores de uma manifestação realizada junto à embaixada.
Os ativistas, dissidentes do regime russo, tinham realizado em janeiro de 2021 um protesto pela libertação do opositor do Governo russo Alexey Navalny, e argumentaram que a Câmara Municipal de Lisboa pôs em causa a sua segurança e a dos seus familiares na Rússia aquando da divulgação dos seus dados.
O julgamento do pedido de impugnação teve alguns adiamentos, o último dos quais por a juíza a quem foi atribuído ter recorrido para o Supremo Tribunal Administrativo de um pedido de escusa do caso - devido a relações pessoais com o representante de uma das partes - que um tribunal de segunda instância tinha recusado.
O Tribunal da Relação considerou que o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa era a instância competente para julgar o caso, no seguimento de diversos procedimentos e de recursos que levantaram dúvidas acerca de qual seria o juízo habilitado.
Em janeiro de 2022, a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) aplicou uma multa de 1,25 milhões de euros à autarquia por violações do Regulamento Geral de Proteção de Dados ao “comunicar os dados pessoais dos promotores de manifestações a entidades terceiras”.
Aí, a CNPD identificou 225 contraordenações nas comunicações feitas pelo município no âmbito de manifestações, comícios ou desfiles.
Entretanto, a 21 de junho do presente ano, a defesa da Câmara de Lisboa pediu a impugnação da multa aplicada pela partilha de dados de ativistas russos e considerou poder não haver forma de a autarquia ser condenada, por inexistência de uma norma sancionatória.
Nessa data, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, no Campus da Justiça (Parque das Nações), decorreram as alegações orais no julgamento do pedido da Câmara Municipal de Lisboa, dirigida pelo social-democrata Carlos Moedas, para impugnação da multa determinada por partilhar dados pessoais de promotores de manifestações na cidade com entidades externas, num caso conhecido como “Russiagate”.
Já no dia de hoje, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa decidiu aplicar à Câmara Municipal da capital uma multa de um milhão de euros. “O tribunal reduziu a coima de 1,25 milhões de euros para um milhão de euros”, afirmou o advogado Tiago Félix da Costa, que representa a Câmara Municipal de Lisboa no processo conhecido como “Russiagate”.
O advogado indicou que a decisão ainda não foi notificada, pelo que “em rigor ainda não está a produzir efeitos”, confirmando a notícia avançada pelo Observador.
De acordo com o Observador, o Tribunal Administrativo de Lisboa considerou que estavam prescritas algumas contraordenações que levaram a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) a multar a Câmara de Lisboa, fixando o valor da coima em 1.027.500 euros, menos 222,5 mil euros do montante previsto.
Questionado se a Câmara Municipal de Lisboa pretende recorrer da decisão, Tiago Félix da Costa indicou que ainda não sabe, ressalvando que cabe à autarquia decidir.
O que diz Carlos Moedas?
Numa declaração nas redes sociais, o social-democrata afirmou lamentar "a pesada herança, mas defenderemos os lisboetas".
Acrescentou ainda que "a Câmara Municipal de Lisboa confirma ter conhecimento da sentença do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, nos termos da qual foi condenada ao pagamento de 1.027.500 euros".
Segundo o autarca a multa terá um "impacto muito relevante" nas contas da Câmara, que neste momento se encontra a "avaliar se irá recorrer da decisão judicial agora conhecida".
E o PS?
Por parte do PS na Câmara de Lisboa, os socialistas criticaram a “politiquice” do presidente do executivo, relativamente à decisão judicial de multar o município por partilhar dados de ativistas russos, afirmando que a autarquia “pode e deve recorrer”.
"O PS lamenta a politiquice seguida por Carlos Moedas, numa linha que infelizmente vem fazendo escola. Quem passou os últimos três anos a tomar como suas obras e medidas em curso quando tomou posse é o último a poder falar de uma pesada herança", afirmaram.
De acordo com a vereação do PS, numa câmara com a dimensão da de Lisboa “há dezenas de processos em contencioso, com valores muitíssimo superiores ao milhão de euros, não sendo este um caso único ou inédito”.
“Só o caso Bragaparques, que vem do tempo do PSD na autarquia, tem um processo ainda por resolver no valor de largas dezenas de milhões de euros”, lembraram os socialistas, reforçando que a decisão judicial hoje conhecida sobre o processo “Russiagate” é passível de recurso e “a câmara pode e deve recorrer”.
Rejeitando a ideia de “pesada herança”, o PS sublinhou que as contas do município, quando Carlos Moedas tomou posse, em outubro de 2021, “registavam saldo positivo há 14 anos consecutivos, com o endividamento da autarquia a registar mínimos históricos”, indicando que, nos últimos seis meses, a liderança PSD/CDS-PP contraiu dois empréstimos, no valor de 133 milhões de euros, pelos quais a autarquia vai pagar 43 milhões em juros.
“Pesada herança é o desnorte financeiro que se vive atualmente na autarquia”, acusaram os socialistas.
Ainda sobre a posição pública de Carlos Moedas sobre o processo “Russiagate”, o PS afirmou que de um presidente da Câmara de Lisboa se espera “outro comportamento institucional”.
“A autarquia não começou com Carlos Moedas e não acabará no seu mandato, existindo uma linha de continuidade que atravessa presidentes e cores políticas que exige um outro decoro na hora de assumir responsabilidades”, reforçou a vereação socialista.
*Com Lusa
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