Tudo evidencia que o Rassemblement (RN) de Le Pen e Bardella é o maior partido de França. No domingo passado, entre os 33 milhões de franceses que votaram, o RN recebeu à volta de 10,6 milhões de votos (33,2%).
A segunda força com maior apoio eleitoral foi a muito heterogénea coligação de partidos que vão do centro-esquerda à esquerda-extrema, batizada como Nouveau Front Populaire (NFP), com quase nove milhões de votos (28%).
O terceiro maior bloco é o centrista-liberal Ensemble, constituído em torno do presidente Macron, que recebeu no passado domingo 6,4 milhões votos (20%).
A direita tradicional, Les Républicains, com 2,1 milhões de votos, representa 6,5%.
O sistema eleitoral francês ignora o método proporcional que funciona em Portugal e adota a eleição da candidatura mais votada em cada uma de 577 circunscrições – na ausência de maioria à primeira volta, todas as candidaturas com base eleitoral superior a 12,5% têm acesso à segunda volta. É assim que neste domingo há eleição em 501 das 577 circunscrições.
As projeções feitas logo após a primeira volta, no domingo passado, colocavam o Rassemblement de Le Pen e Bardella com 260 a 280 deputados, portanto à beira dos 289 da maioria absoluta – favorecida pelo sistema eleitoral francês.
Para La France Insoumise (LFI), partido principal na frente popular de esquerdas, o adversário principal destes últimos anos foi sempre o Ensemble, de Macron, por ser o partido maioritário no parlamento, por ser o partido do presidente e por seguir uma ideologia liberal que aquela esquerda vê de direita e imposta em modo sobranceiro.
Mas o voto de domingo passado, que confirmou a tendência francesa nas europeias de 9 de junho, colocou muito da França no que muitos chamaram de “emergência democrática”. É assim que as diferentes sensibilidades à esquerda e ao centro meteram as divergências na gaveta e uniram-se em torno da urgência do momento, a de evitar o mal maior, o que implica barrar a possibilidade de a via democrática de eleições possibilitar a instalação em Paris de um governo da extrema-direita Le Pen/Bardella.
Ficou lançada uma corrida contra o tempo, de modo a garantir a concentração dos quase 15 milhões de votos das esquerdas e dos centristas liberais para conter a vaga de quase 10 milhões de votos lepenistas. A urgência passou a ser o que o primeiro-ministro macronista Gabriel Attal definiu como “derrotar o mal, evitar a catástrofe de um governo da extrema-direita no comando da França”.
As direções políticas das esquerdas e dos macronistas acordaram e cumpriram o pacto de desistência de candidaturas para concentrar o voto nos candidatos anti-Le Pen melhor colocados. É assim que saem dos boletins de voto 218 candidaturas que tinham direito a participar nesta segunda-volta.
Está para verificar se os eleitores acompanham o pacto assumido pelas direções políticas. O ex-primeiro-ministro Edouard Philipe, um macronista da ala direita tratou de impulsionar o voto estratégico ao anunciar que na terra dele, na cidade portuária Le Havre, vai votar num candidato comunista para impedir que o candidato lepenista seja o eleito.
As sondagens antes do voto anunciam que o pacto está a funcionar: a projeção IPSOS para o RN de Le Pen/Bardella caiu, em cinco dias, de 260 a 280 deputados para agora apenas 175 a 205 deputados. A maioria absoluta com 289 deputados é um horizonte agora a esfumar-se.
As esquerdas NFP, com previsão de 145 a 175 deputados, aproximam-se do RN e os macronistas conseguem a sobrevivência política com 118 a 148 deputados.
As sondagens e projeções francesas mostraram nas várias sucessivas eleições forte sintonia com a realidade.
Se assim acontecer neste domingo, levanta-se uma dúvida para segunda-feira: quem vai governar a França? É que dentro da maioria anti-lepenista as divergências sobre questões fundamentais da governação são imensas. Não parece possível juntar marcronistas e insubmissos da LFI num acordo para governar. A negociação política após as eleições vai ser muito complexa. É provável que o atual governo macronista de Attal tenha de continuar, não se sabe por quanto tempo, em funções de gestão. Talvez venha a ser possível um governo técnico com independentes e gente tanto do macronismo como da esquerda moderada e até conservadores republicanos.
Mas Le Pen já está a gritar que as esquerdas e Macron estão a tentar um “golpe de estado administrativo” em França.
E a grande questão continuará a ser: como tratar o que leva uns 10 milhões de franceses ao voto na extrema-direita.
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